Se você está pensando em desistir de desenhar, leia isto antes.

Tempo de leitura: 15 minutos

Quase todo artista que abandona a arte comete o mesmo erro — e a ironia é que esse erro surge justamente quando se está evoluindo. Não tem a ver com preguiça ou falta de talento, mas com algo muito mais complexo que a maioria não percebe.

Se você parou de desenhar em algum momento, ou está pensando seriamente em largar o lápis agora, este artigo é para você. Não para oferecer frases de motivação vazias, mas para revelar algumas armadilhas que podem estar te afastando do desenho sem que você perceba.

Você se lembra da época em que desenhava todos os dias? Sente uma mistura de saudade e culpa? Ou pior: evita até pensar em voltar para não sentir aquela angústia novamente?

Saiba que isso não é drama nem imaturidade. É a consequência natural de quem tentou, não encontrou o ambiente certo e, guiado pela emoção, concluiu que talvez a arte não fosse para si.

E aqui entra o primeiro ponto crucial: você provavelmente está confundindo emoção com razão.

Quando pensamentos como “não está dando certo”, “estou perdendo meu tempo” ou “não sirvo para isso” surgem, parecem muito racionais à primeira vista. No entanto, na maioria das vezes, é apenas o seu sistema emocional tentando protegê-lo do desconforto e do esforço necessários para se aprimorar em algo. É o medo de tentar disfarçado de lógica.

Seu desânimo e frustração são totalmente compreensíveis. Mas, justamente por isso, precisam ser observados, e não necessariamente obedecidos. A verdadeira disciplina não é se forçar a desenhar, mas aprender a reconhecer seus impulsos emocionais sem ceder a todos eles.

Quando seu olho fica bom antes da sua mão

Existe um fenômeno silencioso que destrói a vontade de desenhar de quase todo iniciante. Esse fenômeno é tão comum que muita gente nem percebe que está passando por ele. Com o tempo e o consumo constante de arte na internet, duas habilidades crescem dentro de você, de forma independente, mas que trabalham juntas:

Existe um fenômeno silencioso que destrói a vontade de desenhar de quase todo iniciante. Com o tempo e o consumo constante de arte na internet, duas habilidades crescem dentro de você, de forma independente:

  • A sua capacidade de ver: gosto, percepção, senso crítico.
  • A sua capacidade de fazer: coordenação, precisão, repertório técnico.

O problema é que elas não evoluem na mesma velocidade. No início, seu olhar é tão ingênuo quanto sua mão. Você se diverte e o desenho parece bom o suficiente, porque seu olhar ainda não detecta as falhas. Mas, depois de um tempo assistindo a tutoriais e vendo portfólios no ArtStation, Instagram e YouTube, seu olhar crítico se desenvolve.

Você começa a ver todos os erros de perspectiva, as falhas na anatomia, os problemas no design. Você enxerga o nível de qualidade que deseja, mas sua mão ainda não consegue produzir. E isso é frustrante. Você passa a odiar o próprio desenho.

Se você se sente assim, entenda: esse descompasso não é prova de que você é ruim, mas de que seu olhar amadureceu. O problema é que ninguém nos prepara para essa fase. Ninguém avisa que essa sensação de desconforto é, na verdade, um sinal de que você está evoluindo. O que deveria ser interpretado como um sinal de evolução da percepção vira um rótulo de fracasso pessoal. E muita gente desiste exatamente aqui — no primeiro sinal real de progresso. É uma pena, porque esse é justamente o momento em que você mais precisa persistir.

Quando você vê o tamanho da montanha e trava

Isso nos leva ao segundo ponto fundamental. Ao enxergar essa complexidade toda, você entende o tamanho real do desafio à sua frente. Percebe que não é só “saber desenhar”. Descobre a vastidão da anatomia, da perspectiva, da luz, da composição. Entende a diferença entre hobby e estudo profissional e começa a ter uma noção real de quantos anos isso vai levar.

Em teoria, isso é maturidade. Você vê o caminho, entende a curva de aprendizado e, justamente por ver o tamanho real da montanha, perde a motivação inicial. E é aí que entra em cena outro personagem: o ego.

O ego odeia ser desafiado. Ele prefere a fantasia de “eu poderia ser bom se quisesse” à realidade de “eu tentei e descobri que ainda sou ruim”. Então, quando você enxerga a montanha inteira, o ego entra em modo de autoproteção e sussurra: “Isso não é para você”, “É um sonho infantil”, “Tem gente muito melhor”.

Não é medo do trabalho. É medo de se sentir pequeno. Sem a estrutura correta, essa lucidez vira paralisia. Você não para porque não gosta de desenhar, mas porque seu ego não quer encarar a humilhação temporária de ser apenas um iniciante. E é importante dizer que esse sentimento é inconsciente, um mecanismo de autoproteção que todos nós temos.

Saturação mental por excesso de informação

Como se não bastasse, há um terceiro fator invisível que mina a energia criativa de todos hoje: a saturação mental. Esse fator é tão poderoso que pode destruir até mesmo a motivação mais forte. A mente que desiste geralmente está cansada. E esse cansaço tem pouco a ver com as horas em frente ao papel, e muito a ver com o tempo em frente à tela.

Antes mesmo de pegar no lápis, sua mente já está cheia de ruído: notícias alarmantes, discussões intermináveis, comparação crônica com o feed perfeito de artistas de alto nível e a sensação constante de que você está atrasado. Seu cérebro entra em estado de alerta permanente, um modo de ameaça. Ótimo para sobreviver a um perigo, péssimo para aprender, terrível para criar.

Aprender exige outro estado completamente diferente: atenção focada, curiosidade genuína, margem para o erro sem julgamento e uma sensação mínima de segurança. Se você passa o dia inteiro consumindo conteúdo acelerado e tenso, chega na hora de praticar com o sistema nervoso completamente esgotado. É por isso que, ao sentar para desenhar, você não consegue se concentrar, não gosta de nada que faz, sente que está atrasado e qualquer linha vira um gatilho para a frustração. Não é só falta de disciplina, é sua biologia lutando contra o processo. É seu corpo dizendo que precisa de repouso.

Consumir conteúdo não é o mesmo que aprender

A mente saturada impede que o aprendizado se fixe adequadamente, o que nos leva a outro erro comum entre iniciantes: confundir o consumo de conteúdo com a construção de uma habilidade real. Você pode passar meses inteiros assistindo a tutoriais, maratonando vídeos de fundamentos e baixando cursos pela internet, e ainda assim não sair do lugar. Pode parecer paradoxal, mas é verdade. Por um motivo bem simples: entender um conceito não é o mesmo que saber fazer, e saber fazer não é o mesmo que dominar.

Existe uma diferença gigantesca entre:

  1. Entender o conceito.
  2. Tentar reproduzi-lo.
  3. Conseguir usar esse conceito de maneira natural e intuitiva.

A maioria das pessoas que “desistiu” do desenho, na verdade, desistiu de um modelo de estudo que nunca passou da primeira etapa. Ficaram presas no modo espectador. Não é que você não sirva para isso, é que seu processo parou no consumo passivo, e seu cérebro não teve a chance de transformar aquilo em memória muscular.

O erro de tentar resolver tudo de uma vez

Essa passividade gera outro problema grave: a tentativa de abraçar a arte inteira de uma só vez. Você olha para sua lista mental e ela é infinita: preciso estudar cabeça, mãos, cenário, perspectiva, cor, composição, figura humana, iluminação, valores tonais. Tudo junto. Tudo agora. Naturalmente, você congela. Seu cérebro entra em colapso diante da magnitude da tarefa.

O cérebro não responde bem a esse caos de informação. Ele responde muito melhor a problemas específicos. Você não precisa começar sendo capaz de fazer uma ilustração complexa. Você precisa entender uma etapa do processo de cada vez. Escolher um fundamento por vez não é ser lento, é ser eficiente. Você reduz decisões, diminui a pressão e permite que o cérebro identifique que algo está, de fato, melhorando.

Não seja vítima das circunstâncias

Se o seu problema é falta de disciplina, a solução não está em se culpar mais ou em se punir, mas em construir sistemas que funcionem melhor do que a força de vontade bruta. Nós tomamos decisões demais com base em como nos sentimos no dia, e isso é viver como vítima das circunstâncias. O que funciona para quem persiste é viver em modo de rotina, em modo de sistema. O que funciona é tornar o desenho tão automático quanto escovar os dentes.

Contar com “ânimo” ou “força de vontade pura” todos os dias simplesmente não funciona. Pessoas que mantêm o hábito de desenhar por anos — artistas profissionais ou amadores dedicados — não estão em uma guerra diária consigo mesmas. Elas não acordam todos os dias se perguntando se vão desenhar. Elas constroem uma rotina sólida em volta do desenho. Na prática, isso significa:

  • Horário fixo e curto, mesmo em dias ruins.
  • Local definido, com tudo à mão.
  • Limites claros para distrações (celular, notificações, redes sociais).

Em vez de se perguntar “Será que hoje eu vou desenhar?”, a pergunta desaparece. Você simplesmente faz, porque o ambiente e a rotina foram configurados para isso. É menos glamoroso do que a imagem do “artista lutando por sua paixão”, mas é assim que se sustenta a prática de longo prazo: com disciplina emocionalmente neutra.

Comparação: o veneno e a cura

Falando em estrutura, existe uma coisa que mina profundamente a energia de voltar a desenhar e que é fundamental entender: a comparação. Você já sabe intelectualmente que se comparar com um artista com dez anos a mais de estrada é injusto e irracional. Mas, mesmo assim, quando você se expõe constantemente a arte de nível profissional, seu cérebro entra automaticamente no modo comparativo: “se eu não sou assim ainda, talvez nem valha a pena tentar”. É um pensamento que surge sem aviso.

Mas aqui está o detalhe crucial: esse sentimento é extremamente informativo se você souber como interpretá-lo. Você raramente se compara com algo que não tem absolutamente nada a ver com você. O que o fere profundamente é justamente aquilo que toca a sua própria ambição abafada, aquilo que você secretamente deseja. Ou seja, esse sentimento aponta exatamente para quem você gostaria de ser, para o caminho que você gostaria de seguir.

Você pode usar isso contra si mesmo, deixando que a comparação o paralise (“eu nunca vou ser essa pessoa”) ou a seu favor, transformando-a em motivação (“se isso está me incomodando tanto, é porque eu também quero ir nessa direção”). Se conseguir olhar para esse sentimento como um desejo seu se manifestando, em vez de apenas se sentir triste e inadequado, esse sentimento vira o combustível para estruturar sua própria jornada. Não para superar o outro, mas para se tornar a melhor versão de si mesmo.

Autocobrança tóxica disfarçada de perfeccionismo

Talvez você ache que está sendo apenas exigente consigo mesmo. Mas observe o que acontece quando um desenho sai ruim: você apaga com raiva, xinga o próprio traço, fecha o caderno e some por dias. Isso não é ser exigente, é agressão. Se cada falha é um ataque à sua identidade, desenhar vira tortura.

Em vez de pensar “esse desenho não funcionou”, você pensa “eu sou ridículo, eu nunca vou ficar bom”. O lápis não está testando sua habilidade; você está usando o lápis para atacar sua autoestima.

Ambição saudável faz outra coisa completamente diferente. Ela olha para o mesmo desenho fraco e pensa: “Ok, isso aqui não está bom. O que exatamente está errado? A linha? O volume? A proporção? Será que falta referência? Preciso estudar mais anatomia?”. Ela continua crítica, mas nunca humilhante. Ela questiona o trabalho, não a sua capacidade como pessoa. Se você não diferencia essas duas vozes, acaba confundindo crueldade interna com “autocobrança”. E ninguém sustenta um caminho longo apanhando de si mesmo todos os dias.

Quando você se enxerga como alguém em processo — não como um profissional pronto —, falhar deixa de ser humilhação e vira simplesmente parte da jornada. E isso muda absolutamente tudo. Críticas doem menos, feedback não te desmonta, um rascunho feio não vira um drama existencial.

Sem evidência de progresso, a mente desiste

Outra coisa importante é que sua mente precisa de provas concretas de que seu esforço não está sendo em vão. Você precisa criar essas evidências deliberadamente. O cérebro está o tempo todo avaliando inconscientemente: “Isso que estou fazendo realmente compensa o esforço e a dor?”. Se a resposta for “não”, ele mesmo vai puxar o plugue. Você perde o interesse, sente que está perdendo tempo, e o pensamento de desistir aparece naturalmente.

Por isso, registrar avanços mínimos é uma ferramenta técnica muito poderosa, não apenas autoajuda. É criar evidência concreta e visível de que o processo está funcionando. Sem essas evidências registradas, qualquer plano de longo prazo desmorona. Seu esforço é real, seu trabalho é legítimo, mas se não for reconhecido por você mesmo, será abandonado. O cérebro precisa de feedback positivo para continuar.

Um protocolo honesto para voltar a desenhar

Se você largou o desenho e está cogitando voltar, aqui vai um protocolo prático, direto e sem promessas grandiosas. Não é um plano mágico, mas é um plano que funciona:

  • Reduza o peso do retorno: Seu objetivo inicial não é “ficar bom” ou “recuperar o tempo perdido”, mas simplesmente voltar a desenhar porque você gosta. Passe duas semanas desenhando algo simples, em blocos curtos de tempo, com zero julgamento. Nada de perfeccionismo.
  • Sessões curtas e cronometradas: Em vez de “passar a tarde inteira desenhando”, comece com 30 minutos por dia. Pode parecer pouco, mas é sustentável. O foco é reconstruir o hábito e diminuir a resistência inicial.
  • Nada de metas de resultado, por enquanto: Sem portfólio, sem projeto gigante, sem pressão. Sua meta é consistência, não performance. Você está reconstruindo, não competindo.
  • Escolha um problema claro: Depois do período de reentrada, escolha um fundamento para estudar por vez. Seu cérebro precisa de foco para registrar evolução. Uma ou duas semanas por assunto é um bom tempo.
  • Registre o que está mudando: Anote, em poucas linhas, o que você percebe depois de uma semana, depois de um mês. Menos resistência para começar? Mais clareza sobre um fundamento? Mais domínio de um exercício específico? Isso vai informar ao seu cérebro que o estudo está sendo útil.

Se você chegou até aqui, uma coisa está absolutamente clara: o desenho ainda é importante para você. Muito importante. Você não precisa voltar como quem faz uma grande promessa cheia de esperança. Pode voltar como alguém que decidiu, de forma adulta e consciente, reaprender a conviver com algo que lhe faz bem. Algo que te nutre criativa e emocionalmente.

Sem romantizar. Sem se humilhar. Apenas retomando a prática e se divertindo com o processo.

O importante agora é você reconhecer que desistir não significa que tudo acabou. Muitos artistas passam por ciclos de pausa e retorno. Eu mesmo perdi a conta de quantas vezes desisti de desenhar, mas sempre voltava porque é algo que genuinamente gosto, algo que admiro profundamente. Hoje, você tem outra mentalidade, outra maturidade para se relacionar com o desenho de forma mais saudável e equilibrada. Essa nova perspectiva é um presente que você conquistou através de toda essa jornada.

O caminho de volta não precisa ser perfeito. Não precisa ser rápido. Apenas precisa ser seu, feito no seu ritmo, com a sua vontade. E se em algum momento você sentir que precisa de orientação, comunidade ou estrutura para manter o foco, saiba que existem espaços e pessoas dispostas a caminhar junto com você nessa jornada criativa.